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Como ensino ― e por que ensino assim.

Atualizado: 31 de mar. de 2022

Vamos nos projetar para um futuro, queira Júpiter próximo!, em que você decidiu embarcar na aventura de aprender latim e adquiriu um dos módulos do nosso curso – digamos, o nível básico 1. Uma vez finalizada a compra, você terá acesso a uma plataforma própria onde ficam as aulas gravadas e, assim que possível, receberá também um convite para a sala de aula virtual, a partir da qual terá acesso às aulas ao vivo e às gravações dos encontros anteriores.



Como funciona o método?

O método que iremos utilizar é o Aprendendo Latim, tradução brasileira para Reading Latin, escrito pela dupla de classicistas britânicos Peter Jones e Keith Sidwell aos moldes de um método anterior, o Reading Greek. Desde que foi lançado, em meados da década de 80, ele se tornou um dos métodos mais adotados em universidades mundo afora. Aqui no Brasil temos notícia de professores que o utilizam desde os anos 2000 (cf. Miotti, 2006, p. 23ss), mas foi somente em 2012 que a primeira edição do método foi traduzida por uma equipe de latinistas e publicada pela editora Odysseus.


A versatilidade do método explica seu renome. A partir de versões adaptadas de textos originais, por exemplo comédias de Plauto ou discursos de Cícero, o método nos apresenta de forma progressiva tanto a um vocabulário essencial da língua quanto a sua gramática e estruturas sintáticas mais comuns. Há também um conjunto razoável de exercícios e uma seção de curiosidades ao fim de cada capítulo – as deliciae latinae –, na qual o aluno aprende um pouco sobre etimologia e cultura sempre de forma muito divertida e instigante.


Em nossas aulas ao vivo, o foco das atenções será a leitura e a tradução do texto de cada unidade. Comentaremos sobre o vocabulário e as estruturas gramaticais, mas também sobre o que os personagens fazem, onde está a graça e diversas outras minúcias literárias. O ideal é que você, como tarefa de casa, tente preparar por conta própria uma tradução do texto para a aula da semana, pois, assim, terá mais clareza de onde errou, onde teve dificuldade e o que acertou em cheio. As aulas sobre gramática, por outro lado, serão todas gravadas e, como dito, disponibilizadas em plataforma própria para que você assista quantas e quantas vezes quiser.


De um modo geral, levaremos dois encontros para cada capítulo do livro. Se a turma coopera e cada aluno prepara direitinho sua tradução como tarefa de casa, a leitura flui que é uma beleza e em uma só aula nós damos cabo no texto do capítulo. A recompensa é que isso termina por abrir espaço para que, no segundo encontro, eu traga materiais de outros livros, por exemplo da segunda edição inglesa do Reading Latin (publicada em 2016) ou até de métodos que aplicam ferramentas de ensino bem diferentes e lúdicas. É a hora em que posso, por exemplo, apresentar inscrições reais encontradas nos muros de Pompeia, ler um trecho todo em latim para que os alunos treinem a audição ou então pedir para que descrevam – em latim! – uma imagem apresentada.


Seguindo nesse ritmo, em aproximadamente dois anos terminamos o método, sem pressa, absorvendo cada texto, vocabulário e tópico gramatical de forma progressiva e ponderada. Segundo os próprios autores comentam no prefácio (2012, p, xiii), dois anos foi a média de tempo para aplicar o método em turmas de adultos. É também o tempo que costuma ser tomado quando ele é adotado em universidades brasileiras.




Por que esse método?

Não há nada de muito mirabolante na forma como aplico o Aprendendo Latim em minhas aulas. Diferente de alguns professores de língua estrangeira que saem por aí vendendo um suposto método revolucionário que nada mais é que uma versão requentada do que já existe há décadas, prefiro ser honesto e sincero com meus alunos: não estou inventando a roda; a forma como dou minha aula é, na prática, a forma como muitos outros professores de latim entendem ser a mais proveitosa, dado o objetivo principal de ler com mais fluência, segurança e embasamento os textos antigos.


Ao longo das aulas, você perceberá que o que pode haver de diferente está muito mais na visão de língua que busco apresentar aos alunos. O latim é para mim uma língua a ser pensada tanto quanto aprendida, e por isso não me esquivo de trazer para os alunos reflexões linguísticas muito mais do que tabelas a serem memorizadas. Quero, é claro, que meu aluno saiba ler de forma fluida – e para tanto simplifico por minha conta e risco algumas explicações gramaticais dadas pelo próprio livro –, mas, ao mesmo tempo, quero que ele reflita e pondere a respeito de seu objeto de seu estudo – e por isso, em vez de só ensinar, discuto e raciocino com vocês sobre língua. Nas minhas aulas, o latim não é um monumento nem muito menos uma ferramenta encaixotada nas tabelas de declinações e conjugações: é um objeto de reflexão!


Resta saber por que ensino assim. Não é uma pergunta muito simples de ser respondida. Muitos professores ensinam deste ou daquele jeito por razões que nem eles mesmos sabem explicar, mas que podem ser resumidas, com boas razões, em respostas diretas do tipo “é como acho certo” ou “é como acho melhor”. Se digo que são boas razões, é porque o professor de fato precisa se sentir à vontade com uma maneira de ensinar para que, assim, ele abra as asinhas e motive mais os seus alunos. Digamos que todo método de ensino – e o Aprendendo Latim não foge dessa realidade! – é quando muito uma proposta didática, um tablado a partir do qual professor e aluno executarão sua coreografia conjunta.


Para responder a essa pergunta, primeiro é preciso fazer uma outra muito mais vaga e por isso mesmo assustadora: quem serão meus alunos? Assustadora por não ser possível prever com clareza quem eles de fato serão. Minha experiência como professor particular já me colocou diante de estudantes de Letras que precisam aprender latim para continuar suas pesquisas, pós-graduandos de História que precisam entender um ou outro texto antigo, juristas que querem compreender o que significam seus habeas corpus, inaudita altera parte e dura lex sed lex, ou pessoas que simplesmente se interessam de modo geral pela língua ou pela literatura.


Em todos esses casos, uma coisa se mostrou certa: até mesmo quando os alunos a princípio precisavam do latim apenas para aprender a ler uma obra com certa velocidade e desenvoltura, suas necessidades nunca se resumiam apenas a isso. O estudante de pós-graduação, por exemplo, não pode se dar ao luxo de só aprender a “ler”: ler, num âmbito universitário, é saber defender uma leitura, o que envolve ter consciência de como aquele texto funciona, ou, trocando em miúdos, sua gramática. Se um membro da banca pergunta por que o aluno leu assim e não assado, o mínimo que se espera é que o aluno saiba explicar e defender sua leitura da passagem. Do mesmo modo, aqueles alunos que querem estudar latim por razões menos, digamos, comprometidas e rigorosas, por exemplo por gosto puro e simples ou para exercitar a mente, sem dúvidas se beneficiam muito de uma conversa apaixonada sobre literatura, de um apontamento etimológico, de um comentário sobre gramática que os faça entender, por tabela, a própria língua portuguesa.


O que quero dizer com isso é que, em todas as minhas aulas de latim até aqui, eu pude perceber com clareza que nenhuma delas eram só sobre latim nem poderiam ser: as aulas eram também sobre gramática e sobre literatura, pois os alunos me procuravam esperando que as aulas fossem sobre isso também. Eles se beneficiavam e se sentiam enriquecidos quando esses tópicos eram trazidos à roda.


Por isso escolhi o Aprendendo Latim como método para minhas aulas. O fato de que seja, na classificação adotada por Patrícia Prata e Fábio Fortes (2015, p. 108-113) em um estudo comparado sobre vários livros adotados no Brasil, um método de ensino que coloca os alunos em contato com leituras extensas de textos adaptados em latim seguidas de explicações gramaticais progressivas – este fato sem dúvidas faz com que os alunos adquiram uma certa desenvoltura muito bem vinda ao ler. Ao mesmo tempo, as explicações claras e bem embasadas, seguidas de bons exercícios de fixação, dão o espaço necessário para refletirmos sobre nosso objeto de estudo. Por fim, as adaptações literárias e os trechos originais citados ao fim de cada capítulo são a deixa exata para que possamos conversar sobre literatura e cultura antiga.


Para que esse modelo funcionasse de uma forma prática tanto para os alunos quanto para mim, professor, fiz por bem dividir o curso em aulas gravadas e ao vivo. O coração de nossos cursos serão sempre os encontros ao vivo, afinal de contas o próprio contato com os textos é por si só a parte mais importante do método. As aulas gravadas sobre cada tópico gramatical servirão para economizar tempo e permitir ao aluno não só que assista a explicação quando e quantas vezes quiser, mas, também, caso queira, escolha as explicações que achar necessárias.


Faço questão de frisar isso, do aluno poder escolher que explicação assistir, pois, em minha concepção, o aprendizado de uma língua estrangeira não precisa necessariamente de uma sistematização gramatical. Essa afirmação causa menos incômodo se dita de maneira mais singela: há tópicos da gramática do latim que são tão intuitivos para nós, falantes de língua portuguesa, por exemplo o grau superlativo dos adjetivos, que talvez não seja interessante para o aluno se preocupar em assistir uma aula sobre como aquilo funciona.


Minha afirmação, porém, é mais enfática do que isso. Se gravo aulas de gramática, não é por achar que sejam indispensáveis para aprender uma língua –mesmo uma língua antiga. Na verdade, além do fato de que é perfeitamente possível aprender uma língua sem nunca ter tido contato com uma tabela de conjugação verbal, é sempre bom lembrar que existem métodos que nem mesmo sistematizam de forma articulada a gramática, como é o caso dos chamados métodos naturais, dentre os quais o mais conhecido é a série Lingua latina per se illustrata, criada pelo dinamarquês Hans Ørberg.


A gramática entra em minhas aulas como um acréscimo, um ponto de partida para refletirmos sobre nosso objeto de aprendizado – a língua. O que me motiva a gravá-las com todo carinho é o intuito puro e simples de fomentar no aluno um gosto pela reflexão linguística, e, com isso, abrir novos canais para o aprendizado. Além disso, para retomar o que foi dito antes, um bom domínio da gramática de um idioma nos dá um instrumental necessário para ler de forma mais aprofundada, no sentido simples de que, com a reflexão gramatical em mãos, o aluno saberá ler e justificar porque leu assim. Em vez de simplesmente ensinar esse assunto como se ele fosse algo pura e simplesmente incontornável, por que não convencer o aluno de sua importância, mostrando todos os frutos que ele pode colher de um olhar mais minucioso sobre a gramática de um texto? É o que tento fazer nas minhas aulas!




Por que não adotei o método natural?

Por fim, aproveitando a deixa de ter mencionado o método natural no tópico anterior, creio que vale a pena explicar porque não o adoto em minhas aulas. Ou, até melhor dizendo, porque não o adoto o tempo todo, pois, verdade seja dita, em certas aulas é muito interessante, produtivo e divertido colocar os alunos para ouvir e falar um pouco em latim.


Caso você não saiba o que seja o método natural, é simples: ele se propõe a ensinar latim inteiramente em latim, imergindo o aluno o máximo possível naquele idioma. Significa que os livros que aplicam o método natural estão todos escritos em latim, a aula é toda em latim e os alunos devem, tanto quanto possível, falarem somente em latim. É um método extraordinário, para dizer o mínimo. Além de exímios falantes de latim, os professores se esmeram em empregar todo tipo de recurso para facilitar o conteúdo, de mímica e encenação até mapas e bonecos do corpo humano. Você pode ver um pouco disso no documentário La via degli umanisti, de 2008.


Alguns colegas latinistas lançam um olhar desconfiado sobre o método natural, dizendo que o latim, por ser uma língua morta, não pode mais ser falado ou escrito de forma autêntica. Com o devido respeito aos colegas que pensam assim, a ideia é no mínimo estranha em se tratando de um idioma que por milênios foi de fato falado e escrito. Ser ou não uma língua morta, seja lá o que isso queira dizer (já que não há um consenso sobre o que seja uma língua morta), é algo que diz respeito à maneira como nós, hoje, lidamos com a língua – não sobre o que a língua de fato é. Se o latim pôde ser falado e escrito no passado, é sinal de que ele dá a seres humanos a possibilidade de o falarem e o escrevem em qualquer época que for.


Não precisamos nos reportar à maneira como os romanos falavam para conceder o estatuto de mais ou menos legítima a uma conversação em latim mantida hoje em dia por aluno e professor. Primeiro pois não sabemos com exatidão como os romanos falavam no seu dia a dia (temos no máximo uma vaga ideia), segundo pois os romanos não foram os únicos a falar o latim (a língua foi regularmente empregada pelo menos até o fim do século XVIII), e terceiro pois, para fins linguísticos mais práticos, se alguém profere um enunciado em latim que é perfeitamente entendido por quem também conhece a língua, então isso já é, de direito, uma comunicação legítima em latim.


Feitas essas considerações, não há por que não revelar de forma honesta e franca qual o principal motivo para não ter adotado o método natural em minhas aulas: não tenho a fluência e a desenvoltura necessárias para dar um curso todo usando esse método. Ponto. Isso não faz de mim ou de qualquer outro colega que também não saiba um latinista menos competente, até porque a principal habilidade de um latinista é a leitura, e mesmo os falantes mais desenvoltos de latim hoje em dia só praticam a língua dessa forma com o intuito de, treinando a fala, treinar melhor também a compreensão.


É uma aposta correta, mas que curiosamente me leva a uma segunda razão para não ter adotado o método natural. Explico. Segundo Stephen Krashen (1982, e.g. p. 20-30), um linguista americano que desenvolveu uma teoria importante sobre aquisição de segunda língua, nós aprendemos um novo idioma quando recebemos novos conteúdos de forma acessível. Quanto maior o número de canais de entrada (input) de novos conteúdos acessíveis e interessantes, mais nós aprendemos.


Não preciso dizer que, segundo a teoria de Krashen, a aposta do método natural está mais do que certa: quanto maior o número de entradas para novos conteúdos acessíveis, por exemplo através de um livro ou de uma aula toda em latim, mais o aluno aprenderá. No entanto, o próprio Krashen observa que o método natural precisa, pelo menos nas primeiras aulas, se apoiar em tópicos mais simples do idioma, geralmente ligados ao cotidiano dos alunos (1982, p. 137-140). Assuntos mais abstratos ou complexos, como a apreciação de um texto, exposições sobre história de uma cultura ou reflexões linguísticas, só são possíveis em níveis mais avançados.


É um problema que deve ser levado em conta, uma vez que os alunos iniciantes podem não se sentir motivados ou mesmo interessados num aprendizado assim. Professores que adotam o método natural costumam contornar o problema apresentando, mesmo em níveis mais básicos, assuntos de algum interesse ou relevância, por exemplo o cotidiano das famílias romanas. É o caso do primeiro volume do método de Ørberg, que narra um dia na vida dos membros de uma família romana para, somente nos últimos capítulos, apresentar trechos da Vulgata, alguns epigramas de Marcial e uma versão condensada da gramática de Donato.


A medida é importante, pois, para Krashen, não basta apenas contar o número de entradas de novos conteúdos; precisamos também levar em consideração os interesses dos alunos sobre um tópico qualquer e o peso que eles dão para cada entrada, pois é só quando o aluno se mostra interessado que ele sai da defensiva e se abre ao conteúdo (1982, p. 73-76). Pode ser que, para muitos alunos, ler, ouvir, falar e escrever em latim sobre assuntos do dia a dia não seja lá muito motivador, ou pelo menos não tão motivador quanto sair da aula depois de ter se engajado numa conversa sobre literatura e língua.


Minha aposta é justamente essa. Por acreditar que boa parte de meus prováveis alunos irão se beneficiar bastante de reflexões sobre língua, literatura e cultura, é que o método textual Aprendendo Latim me pareceu mais promissor. No entanto, como dito, isso não nos impedirá de praticar outras habilidades, por exemplo a audição, a fala ou até mesmo a escrita. O próprio método nos dá mais essa abertura ao apresentar, por exemplo, exercícios de tradução do português para o latim ou, no fim da seção 1B, uma lista de expressões simples (oi, tchau, sim, não, por favor, obrigado...) que podem ser usadas numa conversa.


 

Referências

  • Jones, Peter; Sidwell, Keith. Aprendendo Latim, trad. Isabella Tardin Cardoso, Paulo Sérgio de Vasconcellos e equipe, ed. Odysseus, 2012.

  • Krashen, Stephen. Principles and Pratice in Second Language Acquisiton. Pergamon Press, 1982, ed. eletrônica.

  • Miotti, Charlene. O ensino de latim nas universidades públicas do Estado de São Paulo e o método inglês Reading Latin: um estudo de caso. Dissertação de mestrado, Unicamp, 2006.

  • Prata, Patrícia; Fortes, Fábio. "Ensino de Latim: Abordagens Metodológicas e Leitura", em O Latim Hoje, org. Patrícia Prata e Fábio Fortes, ed. Mercado das Letras, 2015.


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